Um documentário alardeado desde a pandemia e inicialmente um projeto que seria desenvolvido para a plataforma Disney+, Xuxa, o Documentário tem muito de Xuxa, mas pouco de documentário. O primeiro grande erro do projeto foi ter sido trazido de volta para o controle da Globo.
Certo que a parte que realmente importa da carreira da loira está no acervo global, mas isso tirou a autonomia do material. Estar nas mãos de Pedro Bial o tornou ainda mais enviesado: amigo de Xuxa, os toques nas feridas foram contraproducentes. A palavra que pode definir essa série documental é a unidimensionalidade. Uma história não pode e nem deve ser contada sob uma única dimensão psicológica.
Um exemplo é a recusa e a falta de orientação no que concerne à questão racial, fundamental para entender Xuxa como um fenômeno e objeto culturais. Dizer que o sucesso foi porque ela “tinha a imagem certa na hora certa” e que “as Paquitas eram loiras porque a Marlene assim quis e porque sim” não são autocrítica. Não tem profundidade. É uma migalha. Recorrer à Paquita negra norte-americana é como dizer “olha, não somos racistas, tive uma Paquita negra!”, o que é ridículo. O racismo está justamente em ter tido apenas uma.
A relação Ayrton Senna revela imaturidade. Embora Xuxa tivesse o direito de agir como bem entendesse, ignorar os fatos é negar a História. Vivianne Senna jamais escondeu seu desdém por Adriane Galisteu, a quem parece sempre ter visto como alpinista social e noveau riche, e dá a Xuxa o papel da ex-viúva que não aceitou ter perdido a batalha. O que grita é: Vivianne e Xuxa ainda vivem em 1994. O que não condiz com a realidade. Fosse vivo, Senna certamente já as teria substituído por uma loira mais jovem. Homens.
Marlene, a ex-diretora, colhe frutos 20 anos após o rompimento com a sua galinha dos ovos de ouro. Contorna e toma para si a narrativa. O grande público releva os abusos de poder e ignora que nenhuma das perguntas foi respondida objetivamente. Posso citar o momento em que Xuxa pede “me fale de você” e a empresária devolve, apelando para “como está a Sasha? Ela está linda”. O cão é ardiloso.
A pesquisa do documentário é simplista: a maioria do material está disponível no YouTube com a mesma definição. Mas as imagens do programa da Manchete, de entrevistas dos primeiros anos de Globo e dos shows Brasil afora são um ponto altíssimo, talvez o único ponto positivo para quem de fato acompanha de perto essa história. Para o grande público talvez seja uma grande novidade.
Sem autocrítica e muito chapa-branca, contrariando o que havia sido prometido, é sempre bom ver e rever uma das comunicadoras mais carismáticas do pós-Ditadura, que tem uma intimidade desconcertante com a câmera. Mas quase tudo ali tem de ser dosado com mais pesquisa. Ninguém é tão santo assim. Tampouco diabólico. Todo mundo é humano. Nuances estão aí para isso.