A grande aposta da teledramaturgia para os 60 anos da TV Globo estreou em 31 de março
Muita gente me pediu (mentira, ninguém pediu — mas seguimos na retórica das influencers) minhas primeiras impressões sobre o reboot de Vale Tudo, que para mim é a maior novela da TV latinoamericana. E eu disse isso antes de virar hype! Podem procurar pela internet — junto com Pantanal (versão Manchete) e Lado a Lado (Globo), forma minha tríade pessoal da novela como produto historicizante (sic).
Vamos à minha resenha bem-humorada:
A atmosfera segue moderna, ainda com aquele ar de série americana, mas desta vez mais contida. Taís Araújo dá um banho na Regina Duarte, atriz antológica que amo e admiro — especialmente na voz. Ela ainda é uma das últimas atrizes da Globo que trabalha a voz a cada personagem. Hoje em dia todo mundo soa monocórdico, parece que esqueceram que fonologia existe.
Bella Campos, como Maria de Fátima, segura a personagem. Não está deslumbrante; parece não ter ainda os recursos técnicos pra navegar sobre emoções mais complexas, tipo dissimulação, remorso ou até um interesse genuíno, dentro da moral torta da personagem. Mas também não é o desastre que muita gente na internet previu antes mesmo da estreia.
Em contrapartida, Renato Góes está penando um pouco. Ele sente as emoções, mas a voz não acompanha — fica tudo no mesmo tom. Isso gera um ar canastrão que não combina com o personagem. O Fagundes era tudo, menos linear. Apesar disso, vejo progresso — especialmente nas cenas em que ele se interessa pelos bastidores da TCA. Falta, no entanto, ambição. Ele parece querer subir na vida como a Raquel, na honestidade, mas o personagem exige outra coisa.
Mateus Nachtergaele e Karine Teles formam uma dupla fofíssima, mas ainda não imprimiram ritmo. O Poliana de hoje perdeu aquele quê de Chaplin ou de Chespirito, certo humor melancólico. Já a Consuelo de Belize Pombal vem numa proposta diferente: sem o humor da original. Mais parece uma pastora com voz de GPS. Vigia, ora, repreende e aposta cinco reais. Uma atriz imensa com um papel que ainda não encontrou o tom.
Humberto Carrão acerta em cheio como o Afonso Roitman da era LinkedIn. Playboy, descolado da realidade, machistinha gourmet, estudante de faculdade cara. Mil vezes melhor que o original, que tinha ainda menos nuances. A Heleninha é incrível — a cara da Shakira, repare — e a Paolla Oliveira nunca atuou tão bem. Ainda assim, está tão cuidadosa pra não desviar da visão de Renata Sorrah que por vezes acaba repetindo a performance. Celina, defendida elegantemente por Malu Galli, precisa aparecer mais. Falta autoridade, um toque maternal. Por enquanto parece mais secretária ao invés de tia da personagem de Paolla.
João Vicente de Castro é interessante como Renato, mas sem o charme quarentão de Adriano Reys. O Renato atual é um esquerdomacho chique, elegante, camarada. O novo Marco Aurélio perdeu em imponência, mas ganhou em vulgaridade — mais próximo dos ricaços de hoje: sexista, suando em dólar, assistindo pornografia no escritório após arrotar ideias retrógradas e preconceituosas. Cru. Pedro Waddington, que interpreta seu filho, Tiago, ainda não me convenceu como um rapaz capaz de enfrentar o pai com sua delicadeza, mas tem potencial. A ver.
Solange segue sendo minha personagem preferida: Alice Wegmann atua natural e muito convincentemente. E os looks? Maravilhosamente impraticáveis, mas a cara dela — tiara grande, laço no decote, tudo. Ela é produtora de moda, claro. Espero que cresça nos confrontos. Só um alerta: tem tudo pra virar a nova feminista do pedaço, e embora Manuela Dias esteja acertando muito na adaptação, precisa parar com os chavões do tipo “machismo estrutural” a cada cena. Feminista atual não vive só de discurso — vive de ação. Senão, vira Kéfera no Encontro.
A recepção desse remake pode ser um divisor de águas — e não só para a Globo, mas para a forma como a TV aberta encara o que ainda resta do formato “telenovela”. É um teste. Primeiro porque Vale Tudo não é qualquer novela. É um marco moral e estético, um mito fundador do horário nobre. Se nem ela conseguir mobilizar a audiência com um reboot afinado, texto moderno e elenco bem escalado, o recado é claro: a telenovela como conhecemos precisa de reformulações que ainda nem se sabe quais são.
Segundo porque a Globo está apostando alto. Reboot de clássico não é só aposta artística, é estratégia industrial. É tentar reconciliar três públicos ao mesmo tempo: a audiência tradicional (que vive da comparação com o original), a geração streaming (que quer agilidade, complexidade e visual limpo), e a massa digital (que quer meme, polêmica e militância dos bastidores). Se conseguir agradar esses três ao mesmo tempo — ou ao menos dois —, o formato ainda tem fôlego. Se não, pode acelerar o processo de “sérieficação” das novelas ou empurrar ainda mais pra nichos como o Globoplay.
Existe também a questão do “prestígio”: a novela sempre foi o carro-chefe da emissora. Mas a lógica da atualidade se mostra cada vez mais fragmentada — séries com temporadas curtinhas viraram a norma, e o “folhetim diário” parece um dinossauro simpático, mas anacrônico. Se Vale Tudo provar que ainda dá para entregar profundidade, ritmo, personagens memoráveis e conversa social dentro do formato tradicional, ela pode virar o modelo híbrido do futuro.
Ou seja: a novela vem sendo testada em sua essência. Essa nova versão é, ao mesmo tempo, uma homenagem, uma provocação e um pedido de relevância. Se ela cair no gosto popular (de novo), a Globo respira aliviada e o formato ganha sobrevida. Se tropeçar, vai ser mais um argumento pra quem quer enterrar o gênero de vez ou reinventá-lo até virar uma série que passa de segunda a sexta.
No fim, Vale Tudo responde à pergunta que assombra diretores, roteiristas e anunciantes: “A novela ainda vale?” Vamos ver.
Alana Agra 10 de abril de 2025
Adorei a definição do novo Marco Aurélio 😅 (tu não acha que ele e Renato tão parecendo um casal?).
Tenho medo de Poliana repetir ser uma repetição do dono do bar de “Pantanal”, mesmo Nachtergaele sendo esse ator maravilhoso que é.
E vou dizer um sacrilégio: vendo hoje as cenas da original, claro que Glória Pires era sensacional, mas ele foi crescendo ao longo da novela, então Bella Campos tem chance, gente, ela é boa, tem potencial pra melhorar.
E Paolla Oliveira tá num tom menor que Renata Sorrah, o que acho até melhor.